A Escola e a Família diante dos desafios do Neurodesenvolvimento
Há alguns dias fui interpelado por colegas de trabalho sobre uma escola, no interior do estado do Rio de Janeiro, que haveria apresentado, aproximadamente, 50 novas crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Esse número alarmante me fez pensar sobre algo crucial, nestes tempos modernos e de excesso de informação: O que estaria acontecendo? Um superdimensionamento diagnóstico ou aumento real no número de casos?
Diante dessa inquietação e desses questionamentos, convido você a tentar responder essas questões até o final deste artigo.
Primeiro gostaria de ponderar sobre o panorama histórico dos transtornos do neurodesenvolvimento usando o TEA como exemplo. Muitas vezes, esquecemos que estamos navegando em mares totalmente desconhecidos, ou, na verdade, mal saímos do porto desse complexo mundo do neurodesenvolvimento humano. Em Junho deste ano faleceu o primeiro paciente diagnosticado com autismo (distúrbio autístico do contato afetivo-1938), chamava-se Donald Grey Triplett, e sua história ficou famosa devido a forma como a pequena cidade que morava tomou em relação à família Triplett, acolhendo integralmente o pequeno Donald e caminhando junto com ele em seu crescimento, sem nenhum preconceito contra a sua forma de agir ou pensar. O maravilhoso dessa história é que Donald chegou à velhice sem que nenhuma porta tivesse sido fechada para ele ou para sua singular forma de viver na sociedade em que crescia.
Donald Grey Triplett, o chamado “caso 1” do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Fica claro como a neurociência está apenas engatinhando no seu percurso científico e que estamos apenas na primeira geração de estudos sobre os problemas e desafios nos transtornos do neurodesenvolvimento. Diante disso, precisamos ter, no mínimo, uma dose aguçada de humildade e paciência quando deparamos em nossa caminhada, familiar ou educacional, com situações similares à história de Donald.
Mas, por que em menos de 70 anos ocorreu uma explosão de casos? Segundo a pesquisa realizada em 2018 no artigo Prevalence of Autism Spectrum Disorder Among US Children and Adolescents, os diagnósticos de TEA aumentaram 600% nos últimos 10 anos. Em 2018, estimava-se 1 caso para cada 39 pessoas, após novas pesquisas em 2022, estima-se 1 caso para cada 30 pessoas. Seria como se, em cada sala de aula, tivesse pelo menos um aluno dentro do espectro autista e alguns outros alunos com outras dificuldades neurocognitivas.
Um fator significativo para o aumento do número de casos na última década se deve também ao fato de que a implementação do DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders -Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais criado pela Associação Americana de Psiquiatria), foi acrescentado ao diagnóstico de TEA outros transtornos, como a síndrome de Asperger, o transtorno Desintegrativo da Infância (TDI) e o Transtorno Geral do Desenvolvimento (TGD), aumentando consideravelmente o número de casos. Mas, isso não explicaria o porquê dos casos continuam aumentando.
Estudos mais recentes confirmam a predisposição genética do autismo, como também enfatizam que uma porcentagem considerável, entre 3% a 4% dos casos, estariam diretamente ligados ao ambiente fetal onde algumas situações se tornaram importantes fatores de risco, tais como: prematuridade, malformações cerebrais, cardiopatias congênitas ou doenças cerebrais por exposição às drogas durante a gestação.
Então, retornando ao nosso questionamento inicial, estamos vivendo essa escalada do aumento do número de casos devido a uma melhora diagnóstica ou devido a um real aumento quantitativo no número de casos?
O que percebemos na prática hoje em dia, é que as duas situações são verdadeiras e estão acontecendo ao mesmo tempo. Me arrisco a dizer que existe ainda uma terceira causa, a falta de conhecimento acerca dos critérios diagnósticos, empurrando famílias inteiras para dúvidas que não precisam existir se estivessem sendo expostas a profissionais da saúde e da educação devidamente capacitados para aplacar as angústias e a ansiedade de uma família que carece de apoio em seus desafios diários no percurso neuropsicológico dos seus orientandos.
Sim, infelizmente, e tratando-se de um assunto tão novo na área da neurociência, profissionais e familiares ainda desconhecem os critérios que definem (ou não) se uma pessoa se encaixa dentro de um transtornos do neurodesenvolvimento.
Costumo dizer que o diagnóstico não pode ser apenas uma foto, registrando um único momento, mas sim um filme que situa episódios de dificuldades neuropsicológicas dentro de uma história de vida.
Dessa forma, o papel da Investigação Diagnóstica vai muito além da exclusão, ou não, de déficit intelectual ou limitações físicas cognitivas, pois com o mapeamento das funções mentais relacionadas com a aprendizagem é possível traçar um perfil característico do indivíduo em relação aos seus próprios desafios e dificuldades.
Este perfil neuropsicológico traçado lança o indivíduo a comparar-se consigo mesmo e rechaça um diagnóstico unilateral equivocado e friamente de natureza quantitativa que o compara aos outros de acordo com critérios estatísticos que nem sempre expressam a singularidade neuropsicológica do sujeito em questão.
O que fazer então diante deste maravilhoso mundo novo neuro divergente? Quando existe uma criança com singularidades neurofisiológicas, seja na família ou na escola, esta não irá necessariamente causar transtornos, mas a ocorrência destes dependerá de múltiplos fatores, desde as crenças dos educadores e pais até os recursos do ambiente em lidar com a situação.
Por isso, independente do aumento ou não quantitativo do número de casos, a família, a escola e a sociedade, como um todo, devem estar preparadas para um nível de acolhimento que leve este sujeito de um nível de amplitude cognitiva menor para um nível de amplitude cognitiva cada vez maior, em meio a significativas relações de afeto que realmente o afirmam como um filho de Deus com um papel essencial em nossas vidas, e não apenas como um número estatístico preso a rótulos de um diagnóstico.
André Aragão Viana
Palestrante, Psicólogo, Especialista em Desenvolvimento Humano. Pós Graduando - Neuropsicologia.
Master Speaker / Inst. Gente
@andrearagaoviana
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