O mundo pedagógico tende a aceitar novidades, que surgem com certa frequência. Normalmente, o foco dessas inovações são novas metodologias de ensino, promessas de resultados altíssimos, de engajamento por parte dos alunos, de plena satisfação de pais e filhos, etc. Mas será que o resultado prometido e esperado de tantas promessas tem, de fato, sido alcançado? E será que esses resultados são verdadeiramente aquilo que deveríamos esperar?
Por: Elmer G. Pires
Ouso dizer que a resposta para ambas as perguntas é negativa. Em relação à primeira, a pandemia do COVID-19 veio para expor aos pais a realidade da educação brasileira, trazendo o professor e a sala de aula para dentro da casa dos alunos. Com toda essa mudança, percebe-se, nitidamente, o choque causado em muitos pais, que, pela primeira vez, acabaram conhecendo a verdadeira educação deficitária entregue aos seus filhos.
Agora, quanto aos resultados prometidos pelas escolas e esperado pelos pais, basta olhar os índices educacionais brasileiros da atualidade e compará-los com os das demais nações para ficarmos frustrados. Isso sem contar a evidência explícita de insatisfação estampada no rosto e atitude dos nossos alunos/filhos.
Apresentado o problema, qual seria, então, a solução? Uma nova metodologia, ou abordagem educacional? E isso não seria mais do mesmo?
Sim e não. Deixe-me explicar.
O meu parecer é que, para resolver o atual problema, não precisamos de uma nova metodologia ou abordagem pedagógica, mas sim da restauração de um método antigo, de algo que já passou pelo teste do tempo e tem sido reforçado e aprovado por séculos.
Minha sugestão é que abandonemos as modinhas educacionais que surgem a todo momento e nos voltemos a um estilo de ensino sólido, coeso, verdadeiramente libertador, não fundamentado em novidades, mas sim na tradição; meu incentivo é que não pensemos do ponto de vista pragmático, buscando algo que, mecanicamente, “funciona”, mas que nos valhamos de um ensino moral, embora não moralista — em suma, um ensino estabelecido há milênios e que deu bases a todo o desenvolvimento do Ocidente. Refiro-me, sim, à educação clássica, mais especificamente à educação cristã clássica.
O que é a Educação Cristã Clássica?
Nos últimos anos, muito tem se falado sobre essa abordagem, mas poucos são aqueles que realmente compreendem o que esta é em essência. De forma resumida, proponho-me, portanto, a explicá-la neste artigo.
O Dr. Christopher Perrin, um dos mais importantes promotores do método clássico dos dias atuais, define a educação clássica como “uma forma de educação autoritativa, tradicional e duradoura, iniciada pelos gregos e romanos, desenvolvida ao longo da História e que está sendo agora, no século XXI, renovada e recuperada”.
Ainda segundo o Dr. Perrin, a educação clássica “é uma educação tradicional que mistura a teologia cristã com o currículo histórico e com a pedagogia das Sete Artes Liberais, a fim de produzir líderes sociais caracterizados pela sabedoria, virtude e eloquência”.
O reverendo Douglas Wilson complementa essa definição dizendo que a “Educação cristã [clássica] é aquela que reconhece o senhorio de Cristo em todas as disciplinas, e que ensina a reação de cada matéria de forma consistente com as Escrituras. [Ou seja], cada tópico é ensinado como uma parte integrada de um todo, cujo âmago é a Escritura. Cristo é o eixo, e todo o ensino está conectado”.
Logo, a educação cristã clássica é uma abordagem assumidamente cristã, que visa interpretar o mundo segundo a cosmovisão judaico-cristã, tendo por base o princípio unificador e basilar, a Bíblia.
Poderíamos dizer que a educação clássica é uma educação realista, fundamentada na tradição, isto é, que “segue a pedagogia desenvolvida durante o curso da civilização ocidental — da gramática, da dialética e da retórica”, ou seja, que “reconhece a autoridade do passado” e crê que o futuro só pode ser construído sobre sua tradição.
Quais são os Fundamentos da Educação Cristã Clássica?
Tendo sua essência no cristianismo, a educação cristã clássica baseia-se em três pilares: verdade, bondade, beleza. Estes nada mais são que atributos do próprio Deus - é nesse pressuposto que a educação cristã clássica “[visa] enculturar os alunos na Verdade, na Bondade e na Beleza, por meio da aquisição da sabedoria e da virtude”.
Por natureza, estamos falando de uma educação totalmente centrada e desenvolvida em torno das Escrituras, que proporciona ao aluno uma visão completa de mundo, capacitando-o a saber onde se encontra na história da humanidade e o porquê.
A “Disciplina” da Educação Cristã Clássica
A educação cristã clássica também compreende que a educação dos filhos é de responsabilidade dos pais, conforme Efésios 6.4: “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor”.
A palavra disciplina, apesar de uma boa opção na língua portuguesa, é incapaz de traduzir toda a carga semântica contida no conceito de paideia - no original, o termo que costumamos traduzir por disciplina.
Segundo Wegner Jaeger, paideia “representava aos gregos antigos uma enorme tarefa ideológica. Sua única preocupação era moldar o ideal do homem, que se tornaria capaz de tomar o seu lugar na cultura ideal. Além disso, a intenção da paideia era tornar essa cultura [ideal] uma realidade”.
O reverendo Douglas Wilson conclui que a “palavra paideia vai muito além do currículo daquilo que chamamos de educação formal”. Trata-se, pois, de “uma enculturação do futuro cidadão”, e essa enculturação deveria ser praticada no Senhor.
O Professor e o Aluno na Educação Cristã Clássica
Não quer dizer, porém, que o seu objetivo seja criar o aluno em uma espécie de bolha, isolado da realidade ao seu redor, mas, no dizer de Monica Whatley, a educação clássica busca expor “os alunos e lhes [dar] ferramentas para que naveguem por aquelas questões difíceis que eventualmente encontrarão”.
É por essa razão que a metodologia cristã clássica não lida apenas com o presente, nem tem por objetivo um vestibular, mas vai muito além, procurando conduzir as crianças à maturidade, a fim de que se tornem adultos completos, aptos para servir ao Senhor e causar um impacto positivo na sociedade em que vivem.
Vale ressaltar que, para conseguir criar alunos desse nível, o professor tem de manter sua posição basilar e primordial na educação. Seu papel não é ser um mero facilitador, mas, sim, o mestre da sala. A sua responsabilidade é servir de exemplo para os seus alunos — seus pupilos — e conduzi-los na aquisição de conhecimento e desenvolvimento à semelhança do seu exemplo, o qual, em última instância, deve assemelhar-se a Cristo.
A Educação Cristã Clássica com o Passar dos Anos
Em relação às metodologias de ensino, a educação cristã clássica não é contrária à modernidade ou a descobertas recentes. O que ela faz nada mais é que se acautelar de mergulhar em práticas pedagógicas recentes sem a devida análise e confirmação de sua eficácia.
Também vale destacar que a atual onda educacional cristã clássica surgiu como uma restauração dos princípios clássicos antigos e tradicionais, e traz uma roupagem mais atual a partir da aplicação das contribuições de Dorothy Sayers, em sua palestra proferida em Oxford, em 1942, e a partir da aplicação de suas ideias por parte sobretudo do reverendo Douglas Wilson.
Dorothy Sayers e o Trivium
Sayers fez ao menos duas contribuições de maior importância. A primeira delas foi a sua análise acerca do Trivium (“três vias”), as três primeiras das Sete Artes Liberais. Na concepção da estudiosa, a Gramática, a Dialética (ou Lógica) e a Retórica não eram simples disciplinas, mas metologias de ensino e aprendizado.
A Gramática, primeira das Sete Artes Liberais, não é uma simples matéria que lida com a gramática per se de uma língua (no sentido de estrutura e arranjo linguístico), mas sim um método de ensino que dá ênfase à memorização como parte necessária para a aquisição dos elementos básicos de todas as disciplinas. Por sua vez a Lógica, a segunda das Sete Artes Liberais, serve como meio de ensinar o modo como cada disciplina funciona e suas estruturas. E, por fim, a Retórica, a última das artes do Trivium, trata de ensinar como apresentar todo o conteúdo adquirido (na fase da Gramática) e como compreender da melhor forma (na fase da Lógica).
A segunda grande contribuição de Sayers foi notar que toda criança possui características de desenvolvimento semelhantes. Uma criança do Ensino Fundamental I tem, por natureza, facilidade para memorizar e propensão à memorização. Já para uma criança do Ensino Fundamental II é natural questionar tudo, enquanto um aluno do Ensino Médio encontra satisfação em mostrar ao mundo suas qualidades e habilidades.
Assim, na concepção de Sayers, o primeiro período de desenvolvimento da criança se encaixa com o estágio da Gramática (o que corresponde ao nosso Ensino Fundamental I), seguido pelo segundo período de desenvolvimento, que se encaixa com o estágio da Lógica (correspondente ao nosso Ensino Fundamental II), concluído, então, com o terceiro período de desenvolvimento, o estágio da Retórica (correspondente ao nosso Ensino Médio).
Conclusão
Muitas outras coisas poderiam ser ditas acerca da educação cristã clássica, mas espero que essa breve introdução sirva para despertar o seu interesse por esse método educacional que moldou as mentes mais brilhantes que o mundo já conheceu por mais de 2500 anos.
Elmer G. Pires
Formado em Teologia, Pedagogia e Mestrado em Educação (EUA).É sócio fundador da Editora Trinitas e da Escola Cristã Clássica Trinitas. Pastor da Igreja Batista Reformada de São Bernardo do Campo.
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